sexta-feira, junho 04, 2004

Maravilhas do conto espanhol

É singular o contato com pessoas desconhecidas e que provavelmente não mais tornaremos a ver. Ao entrar, já encontramos alguém; outros sobem depois de já estarmos ali; uns partem, deixando-nos, e por último também nós descemos. É uma paródia da vida humana, em que o nascer e o morrer são como as entradas e saídas a que me refiro, pois vão renovando sem cessar, em gerações de viajantes, o pequeno mundo existente lá dentro. Entram, saem; nascem, morrem... Quantos passaram por aqui antes de nós? Quantos virão depois?
E, para que a semelhança seja ainda mais completa, há também um mundo completo de paixões em miniatura, dentro daquela espécie de caixa. Muitos do que ali se vão, se nos afiguram excelentes pessoas; agrada-nos o seu aspecto e é com desgosto que as vemos sair. Com outras, pelo contrário, antipatizamos assim que as vemos; aborrecemo-nos delas durante alguns minutos, examinamos com certo rancor os seus caracteres frenológicos, e sentimos certo prazer ao vê-las sair. O veículo, no entanto, como um arremedo da existência humana, vai seguindo, recebendo e largando gente, uniforme, incansável, majestoso, insensível ao que se passa no seu interior; sem que, pouco ou muito, comovam-no as mil refreadas paixões de que é mudo teatro, sempre correndo, sobre as intermináveis paralelas de ferro, compridas e escorregadias como os séculos. (Pêrez Galdós)

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